A deputada federal Telma de Souza (PT-SP) esteve na noite de sexta-feira (20/10) na Universidade Católica de Santos (Unisantos), proferindo palestra e conversando com os alunos sobre o programa de governo de um eventual segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “ Como parlamentar, minha visão e abordagem são, obviamente, muito mais políticas do que técnicas. E, sob esse prisma, as diferenças programáticas entre o futuro governo que o presidente Lula propõe e o que propõem os nossos adversários são por demais evidentes. Na verdade, implicam em enxergar e pensar o país de modos totalmente opostos, mesmo que muitos insistam em ver semelhanças”, declarou Telma. Leia abaixo a íntegra da fala de Telma.Em primeiro lugar, quero deixar claro que não tenho a pretensão de fazer aqui uma explanação pormenorizada sobre o programa de governo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende colocar em prática, na eventualidade de um segundo mandato. Essa premissa se faz necessária, já que o desempenho de tarefa de tal envergadura teria de ficar a cargo de um ou de vários dos especialistas de cada área abordada por uma peça tão complexa, a qual tem por objetivo traçar as diretrizes administrativas e de conduta para o nosso país nos próximos quatro anos.
Sou uma parlamentar, hoje da base governista, que há 12 anos desempenha suas atividades legislativas na Câmara Federal. Portanto, minha visão e abordagem são, obviamente, muito mais políticas do que técnicas. E, sob esse prisma, as diferenças programáticas entre o futuro governo que o presidente Lula propõe e o que propõem os nossos adversários são por demais evidentes.
Na verdade, implicam em enxergar e pensar o país de modos totalmente opostos, mesmo que muitos insistam em ver semelhanças.
Embora não sejamos estatizantes e muito menos defensores do gigantismo da máquina estatal, nós continuamos acreditando na iniciativa do Estado, das empresas estatais e do sistema financeiro público, a partir de sua capacidade indutora de desenvolvimento, entendendo-se aqui o desenvolvimento que leva ao bem estar e ao equilíbrio social e regional.
O primeiro governo do presidente Lula, embora em ritmos alternados e com intensidades diversas, atuou, no geral, exatamente dentro dos parâmetros dessa concepção.
Nunca se investiu tanto na área social, na saúde e educação, no Bolsa Família, na inclusão de jovens pobres nas universidades, em recursos para a agricultura familiar, entre outras dezenas de ações concretas para reduzir a pobreza.
Melhora a infra-estrutura do país e já chegamos à auto-suficiência em petróleo. A situação é de crescimento, de geração de empregos, aumento da renda com inflação baixa e exportações recordes. Um quadro de queda dos juros, para incentivar a produção, e facilidade de crédito, para fortalecer o mercado interno. A melhora do Brasil ainda é insuficiente, mas passamos a sentir seus efeitos na vida cotidiana.
O governo do PT não destruiu o Brasil como anunciavam na última eleição. Pelo contrário, fez muito melhor do que o PSDB em oito anos. Diziam que éramos inexperientes e radicais. Usavam atrizes famosas na tevê para dizer que tinham medo do Lula. Todos ainda lembram disso e sabem agora que eram mentiras.
A questão é simples: por que não faríamos um bom governo novamente, num segundo mandato?
Agora temos mais experiência, construímos alicerces sólidos e trabalhamos com persistência. Agora, sem os problemas deixados pelo PSDB e com a casa em ordem, temos as condições para uma arrancada.
Estamos diante de uma combinação inédita de fatores, com crescimento sustentável, estabilidade fiscal, redução da vulnerabilidade externa, expansão do investimento, da produção e da produtividade, ampliação do mercado interno e externo, aumento e formalização de emprego, aumento da massa salarial real e expansão do crédito, redução da fome, da miséria e das desigualdades por meio da ampliação dos programas sociais.
Ocorre que tudo isso foi alcançado dentro da perspectiva de que o desenvolvimento deve ter como norteador maior o bem estar social.
Estamos, sim, acelerando o crescimento econômico, mas a taxa de crescimento por si só não significa nada. A China cresce mais que o Brasil, mas o trabalhador chinês recebe 70 dólares em média, enquanto aqui só o salário mínimo já é superior a 130. A Argentina também cresce mais, mas toda sua produção somada é menor que a do Estado de São Paulo.
E vejam só: o Brasil foi o segundo país que mais cresceu no século 20, inclusive mantendo o primeiro lugar entre 1900 e 1973 e, no entanto, gerou a sexta economia mais desigual do mundo.
O que traz benefícios reais é a qualidade com que se dá o crescimento e não a taxa. Essa qualidade só se constrói com distribuição da renda, educação e oportunidades, caso contrário o crescimento equivale a um mero exercício de números.
Os números só têm sentido quando refletem fatos concretos, envolvendo gente de carne e osso.
O Bolsa-Família, por exemplo, beneficia atualmente 11,1 milhões de famílias, cerca de 40 milhões de pessoas. A contrapartida para ter direito é o de que as crianças de até 15 anos freqüentem pelo menos 85% das aulas e que as famílias cumpram cuidados básicos, de vacinação e pré-natal de gestantes e mães, por exemplo.
Dados de julho deste ano dão conta de que o aumento da distribuição de renda tirou 6 milhões de pessoas de uma situação de miséria no Brasil. Isso sem contar o efeito da injeção dos recursos nas comunidades, gerando emprego e renda. É um resultado único no mundo, como atesta o Banco Mundial, e no qual o Bolsa-Família tem um papel fundamental.
Não é à toa que a cidade de Nova York, nos EUA, vai implantar um programa-piloto baseado justamente no Bolsa-Família, exatamente porque as contrapartidas tornam a idéia consistente com o objetivo de elevar a qualidade de vida das famílias mais pobres.
Temos hoje o menor índice de concentração de renda desde os anos 1960 e, se ele segue não sendo satisfatório, como de fato não é, é preciso reconhecer que se trata de uma vitória alcançada em apenas três anos e meio, e que não pode ser desprezada meramente para efeito eleitoral.
Os juros devem cair, sim, e já são os mais baixos dos últimos 30 anos, mas isso não pode ser feito na velocidade que os críticos querem, porque traria a inflação, que confisca a renda dos mais pobres. Isso a oposição nunca explica.
Nossos adversários acusam o governo Lula de gastar demais. Mas eles também nunca explicam, porque não têm coragem, que os gastos que criticam são os dos programas sociais.
Para nós isso não é gasto, mas investimento num país melhor e mais justo. E, neste ponto, mais uma vez, fica claro que nossa visão e a visão de nossos adversários sobre o queremos para o país são diametralmente opostas.
. As propostas para um segundo mandato, portanto, se direcionam, de modo geral, para um aprofundamento e uma ampliação dos conceitos que nortearem os últimos quatro anos de governo – e que até, em alguns casos, devido a uma série de dificuldades, foram apenas esboçados. Há, portanto, no programa do presidente Lula para 2007/2010, uma interdependência entre as áreas de atuação do país.
Só para citar um exemplo, a Educação, como aliás já aconteceu neste primeiro mandato, é encarada não apenas dentro do contexto do desenvolvimento social, mas também como instrumento prioritário entre as políticas de Estado direcionadas para o desenvolvimento econômico nacional.
A saúde, além de um compromisso de Estado, é também um direito de cidadania e, ao mesmo tempo, seu acesso não pode estar sujeito à fragmentação do atendimento entre governos Federal, estaduais e municipais, mas sim facilitado pela integração real dessas três esferas.
A nossa política externa tem uma relação direta com a postura que adotamos para defender ou conquistar mercados de exportação para nossos produtos, bem como com a garantia da continuidade de nosso exitoso e internacionalmente reconhecido programa de prevenção e combate à Aids, com a distribuição gratuita de medicamentos para as pessoas vivendo com HIV.
A segurança é, sim, uma obrigação do Estado, mas este Estado não pode apenas construir presídios e equipar materialmente suas polícias. A essas ações devem juntar-se a valorização e a formação profissional dos trabalhadores do setor, os investimentos maciços em serviços de inteligência e informação, além de uma série de políticas públicas, de cunho social e econômico, que propiciem espaços alternativos de prevenção à violência e à criminalidade.
Gerar segurança é também gerar empregos e construir escolas, e isso não é slogan eleitoral, mas uma linha de ação de resultados positivos cientificamente comprovados em vários pontos do mundo.
E se tudo isso se integra, é óbvio que as políticas de combate à fome e à miséria são também instrumentos radicais no combate à violência e ao crime.
E o termo “radicais” é usado aqui em sua concepção mais direta, já que a erradicação da fome e da miséria só pode ser feita através de ações ousadas e firmes, como este governo vem fazendo e, com certeza, continuará a fazê-lo, se for reeleito.
Como disse no início, esta é uma apreciação política sobre as perspectivas de um segundo mandato do governo Lula. Foram cometidos muitos enganos? Sim, foram. Foram cometidos muitos erros? Sem dúvida. As mudanças necessárias para o país ficaram muito aquém ou não ocorreram na velocidade que desejávamos? Em grande parte, sim.
No entanto, a minha defesa de um segundo mandato para o presidente Lula se dá por motivos muito claros – e tranqüilos. Nunca, até o governo atual, o Brasil abriu perspectivas tão grandes para uma verdadeira transformação econômica e social quanto nos últimos quatro anos.
Essa transformação ainda não aconteceu. Ela está em curso e precisa continuar, já que implica em uma modificação, em certos casos profunda e radical, de uma estrutura administrativa e política que domina o país, na verdade, desde seu descobrimento.
Os próximos quatros, com a concepção de país que o presidente Lula implementou no seu primeiro mandato, são um espaço fundamental não para que a transformação se complete, já que, como afirmei, o processo é longo e complexo, mas sim para que essa transformação continue a acontecer.
O modo novo e moderno de enxergar e pensar o país não pode sofrer retrocessos, até porque a outra alternativa que nos é oferecida, bem, essa nós já conhecemos de sobra e sabemos aonde nos levou, ao país e a cada um de nós.
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