TELMA BUSCA ANISTIA PARA O PAI, JOÃO INÁCIO, CASSADO PELA DITADURA
Com a série de entrevistas, Telma Especial, publicada a partir de hoje, a vereadora e deputada estadual eleita fala sobre as eleições de 2010, o novo mandato, sua volta às origens com a eleição para a Câmara, em 2008, a eleição de Dilma e a importância para as mulheres na política, além de outros temas como a obtenção do Mestrado, a produção intelectual e o ano político. Na primeira da série, Telma fala sobre família e a busca pelo reparo a um erro histórico que foi a cassação política e a morte precoce do seu pai, João Inácio de Souza. Confira.
Você está preparando um processo pela anistia do seu pai. Isso envolve memória afetiva e coisas muito íntimas da família. Como está lidando com isso?
Telma de Souza: Meu pai, João Inácio de Souza, foi cassado em 1964 pelo ato institucional número 1. Nós ficamos em prisão domiciliar, eu, ele e minha mãe. Nós morávamos na Rua Gervásio Bonavides, 126, um sobradinho quase de esquina com a Silva Jardim. Enfim, são momentos muito dolorosos, até porque meu pai foi cassado, não só por ser do PTB, do partido do presidente João Goulart -que estava sendo cassado-, mas também por ser presidente da Câmara de Santos. E o mais estarrecedor e fantástico é que alguns meses depois, em outubro exatamente, ele foi cassado também da condição de trabalhador do antigo Iapetec. Mesmo estando como parlamentar, ele era do instituto de previdência e foi cassado com 29 anos e meio de serviços, o que tirou dele a possibilidade de uma aposentadoria. Naquela época, era de 30 anos. Além disso, foi tirada dele a própria possibilidade de voltar a disputar pleitos eleitorais. O mais trágico e cruel é que João Inácio de Souza viria a morrer em 15 de outubro de 1971, sete anos depois de estar cumprindo as penalidades da cassação. Só faltavam três anos para ele poder reconquistar o direito a ser candidato. Meu pai não conseguiu chegar a este momento. Meu pai morreu com 50 anos de idade, muito jovem, num terrível, fulminante ataque cardíaco. Assim a vida foi.
Todos sabem que minha mãe, em 1968, candidatou-se para vereadora e ganhou. Ela foi uma das fundadoras do MDB de Santos, sendo secretária do partido e, lamentavelmente, isso acabou sendo bastante estranho, porque ele morreu sem vê-la completar o mandato, que só terminaria no fim de 71. Nesta época, Santos já havia passado por um segundo golpe militar. Cubatão e Santos, por terem um porto e uma refinaria de petróleo e sindicalismo correspondente a essas categorias, bastante forte. Nós vimos que isto foi outro critério para que o regime de exceção, da ditadura, cassasse a autonomia em eleger prefeito nas duas cidades aqui na região e em outras tantas pelo Brasil inteiro. No meio dessa situação, meu pai veio a falecer. Então, mexer nestas coisas da anistia é para mim bastante doloroso. Mas, mesmo assim, em 1979, oito anos depois do falecimento dele, quando foi gestado no Brasil um movimento pró-anistia, eu fiz parte do conjunto de mulheres que fizeram um comitê em Santos. As reuniões eram na faculdade de Direito e na de Arquitetura da Unisantos, na Avenida Conselheiro Nébias, a antiga casa amarela, onde eu tinha me formado em 1971. Meu pai queria muito um filho doutor e ele morre um mês antes de eu conseguir o tal almejado título de doutor por ter me tornado advogada. Sendo filha única, só eu poderia fazer isso.
Em 1979, eu, dona Lila Covas, Renata Gato, que foi mulher do Marcelo Gato, líder sindical, a família de Rubens Paiva, enfim, todas nós, a maioria mulheres, porque os homens tinham sido torturados, mortos, ou estavam fora do Brasil, eles tinham suas famílias. Aqui, nós nos reunimos, porque não era um movimento só local, era nacional, e no dia 10 de novembro de 79 nós acabamos conseguindo a anistia. Aí tivemos a volta de Paulo Freire, a volta dos intelectuais que tinham ido para o Chile depois do golpe militar no Brasil e pegaram o golpe militar de 73, o golpe que depôs Salvador Allende. E tivemos a volta de muitos que foram estudar e a maioria acabou parando na França, como o caso de FHC.
Esta é uma pequena história particular da ditadura militar em relação ao cerceamento de direitos do povo brasileiro, mas em particular, de como aconteceu com a minha família. Mexer nesses papéis é muito doloroso, mas quero dar entrada antes que o Governo Lula acabe. Tive coragem, tive auxílio de uma amiga para isso e dentro de poucos dias estaremos dando entrada no Ministério da Justiça, para que esta figura da anistia seja dada ao meu pai. Isso é muito importante.
Isto repararia um erro histórico?
Telma: Em minha opinião nada repara o erro histórico. Quem vai devolver um homem que morreu, em minha opinião, porque foi impedido de fazer política, impedido de trabalhar? Ele voltou para o cais, com muita dignidade, mas aquilo que ele fazia melhor, que era justamente fazer política, ele foi impedido. Enfim, não se morre aos 50 anos, principalmente de morte matada, como eu acho que foi o meu pai.
Pesaram as atribulações do período?
Telma: Acho que foi mais a dor de você não ter o direito de fazer algo porque você tem idéias a respeito da política. Você não pode ser privado de exercer livremente aquilo que você pensa, aquilo que você acredita. Esta punição é muito dolorosa e isto não volta. Com certeza, as nossas lutas para que a democracia, que um estado de direito cada vez mais sólido seja construído, eu me dedico a elas de uma maneira quase que insana, para que momentos como este não voltem mais, para que nossos filhos e netos não tenham que passar mais por estes momentos de exceção; e (me dedico) em ajudar os países que ainda tenham este momento no seu desenvolvimento civilizatório e político, para que eles rapidamente saiam destes estágios e cheguem a outra situação de estado de direito.
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