Mais de 800 pessoas lotaram o teatro do Sesc-Santos, na noite da última quarta-feira (13), para assistirem o seminário “Políticas Públicas e Prevenção à Violência, a Importância do Envolvimento da Comunidade”, promovido pelo Instituto de Políticas Públicas para o Desenvolvimento da Baixada Santista (IBS), em conjunto com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “Hoje é, sem dúvida, um dia importante para todas aquelas pessoas que, há menos de três meses, se reuniram pela primeira vez para conversar sobre a criação de um espaço democrático, não-institucional e apartidário, onde se pudessem debater políticas públicas que, de alguma forma, contribuíssem para a melhoria da qualidade de vida na nossa região”, afirmou Telma de Souza, presidente do IBS, dando início aos trabalhos, logo após a apresentação da Banda Querô, do Instituto Arte no Dique, que abriu a noite.Sérgio Adorno, o sociólogo e professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e coordenador-adjunto do Núcleo de Estudos da Violência da USP, foi o primeiro palestrante do seminário, destacando que, embora a violência não seja um fenômeno novo Brasil, “hoje nos sentimos todos de certa forma coagidos, amedrontados, e, portanto, o assunto acabou se constituindo em uma das maiores preocupações dos brasileiros”. De acordo com Adorno, a violência no seio da sociedade brasileira, além da atribuída à delinqüência em geral, se expressa em outras manifestações de violações dos direitos humanos, como por exemplos, através dos esquadrões de extermínio, linchamentos, uso abusivo de força pela própria polícia e até mesmo nos conflitos das relações interpessoais. Defendendo o que classifica de “segurança cidadã”, o sociólogo entende que as políticas públicas de segurança envolvem complexidade e devem levar em conta, principalmente, a proteção às vítimas em potencial, que, como demonstram todas as pesquisas feitas no setor, são, no momento, os jovens, as mulheres e os trabalhadores das classes menos favorecidas. Finalizando, Adorno salientou que a segurança e o combate à violência são cada vez mais questões de âmbito municipal, “já que tornar uma cidade menos violenta implica em criar e manter um espaço onde a população possa viver com dignidade, sob todos os aspectos”.O segundo expositor da noite foi o secretário-adjunto de Direitos Humanos e Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife, Luiz Roberto da Silva, que contou um pouco da experiência da administração local para atenuar os altos índices de violência do município, que apresenta uma taxa de 59,35 homicídios por 100 mil habitantes. Silva explicou que, apesar das dificuldades do poder municipal de atuar em um setor atrelado jurídica e financeiramente às esferas estadual e federal, vem sendo feito todo um esforço no sentido de se interferir, em nível local, na questão da segurança, através da adoção de ações e intervenções estratégicas integradas de várias secretarias municipais.“Tivemos que, dentro da própria administração, brigar por espaço e vencer preconceitos para conseguir colocar em prática novas formas de abordagem para a questão da segurança, envolvendo, por exemplo, ações na educação, na cultura, no esporte, na saúde e até na ocupação do espaço urbano, com base numa série de programas que têm como alvo não o que se convencionou chamar de regiões mais violentas da cidade, mas as mais vitimizadas por todos os tipos de violência”, disse o secretário-adjunto de Segurança de Recife, acrescentando que sua secretaria só conseguiu obter o apoio necessário aos seus projetos quando, por pesquisas, demonstrou que os índices de popularidade do prefeito estavam diretamente relacionados, em cada região da cidade, aos respectivos indicadores de violência nessas áreas.Envolvimento total - Já Hugo Acero Velásquez, sociólogo que por nove anos foi secretário de Segurança e Convivência de Bogotá, Colômbia, e atua no momento como consultor da ONU no setor, enfatizou que o grande desafio que se apresenta no enfrentamento da violência urbana é “como garantir segurança respeitando os direitos humanos”, o que, conforme o especialista, “é algo complexo, exige determinação e mescla tanto medidas de prevenção quanto de repressão”.Apontado como principal responsável pela drástica queda dos índices de violência na capital colombiana, país tradicionalmente conturbado ainda pelo narcotráfico e pela guerrilha de esquerda e por grupos paramilitares de direita, Acero defendeu também não apenas o envolvimento dos prefeitos na implantação de políticas de segurança – um atributo constitucional na Colômbia -, mas também dos empresários e de toda a comunidade.“Precisamos, como aconteceu em Botogá, que seja deflagrado um trabalho inter-institucional, que passa pela criação de um sistema confiável de informações; pelo fortalecimento da polícia e da justiça; pelo combate à corrupção e por uma periódica prestação de contas sobre como o dinheiro público está sendo aplicado; pelo controle dos fatores de risco, como álcool, drogas e armas; pela redução das mortes no trânsito; pela recuperação dos espaços urbanos degradados e por intervenções arquitetônicas para resgate da cidadania; pela construção e reforma de escolas e bibliotecas, bem como de parques públicos. Enfim, trata-se de uma gama de ações que dependem até mesmo da reestruturação do sistema penitenciário”, explicou o sociólogo.Concluindo, Acero dirigiu-se à platéia e afirmou: “Se vocês decidirem que a cidade de Santos deve ter isto ou aquilo em matéria de segurança e cidadania até, por exemplo, 2015, vocês devem tomar esta decisão hoje e começar a trabalhar nesse sentido. Primeiro, precisamos traçar as nossas metas, saber onde queremos chegar e depois exigir que o governo faça o que deve fazer.”Último expositor da noite, o rapper, escritor e cineasta MV Bill começou falando de si próprio, a partir de sua infância na Cidade de Deus, um dos núcleos periféricos mais carentes e violentos do Rio de Janeiro. “Um dia, eu percebi que minha mãe dava mais valor aos trocados que eu trazia para casa, conseguidos como guardador de carros ou carregador de compras, do que às minhas notas na escola, tal a urgência por algum dinheiro que a miséria impunha”, disse Bill, acrescentando que conseguiu, através da cultura e da arte, escapar do que chama de “modelo padronizado” para os jovens nas favelas: estudam até onde dá, depois tentam arrumar um emprego para ajudar em casa e, se não conseguem, caem na marginalidade, em geral no tráfico de drogas.Segundo Bill, a luz no fim do túnel começou a surgir através do hip-hop (“que é música, cultura, educação e conscientização”) e de três livros que leu: “Negro Revoltado”, de Abdias Nascimento; a biografia de Malcom X, um dos líderes do movimento negro dos anos 60 nos Estados Unidos, e a vida de Zumbi dos Palmares, escrita pelo antropólogo e educador Darcy Ribeiro.
“Naquele meio, eu queria ser a exceção”, afirmou o rapper, relembrando a história da produção do polêmico videoclipe “Soldado do Morro”, criticado por mostrar cenas reais de jovens no tráfico empunhando armas e manipulando e usando drogas e que acabou sendo o ponto de partida para a realização do também polêmico mas também muito elogiado documentário “Falcão, Meninos do Tráfico” . “Esse jovem, quando aparece na televisão, está sempre de cabeça baixa, algemado, e é sempre alguém que fala por ele. Ele mesmo nunca tem voz. Eu quis dar voz a esses jovens. O que tem grande destaque na mídia são as conseqüência, por isso eu quis mostrar as causas, para ver se a gente não comete os mesmos erros e fica tudo exatamente igual, quer dizer, não igual, mas muito pior a cada dia que passa.”Bill explicou que a pesquisa total que realizou em favelas cariocas e que embasaram o documentário durou cerca de oito anos. As entrevistas envolveram cerca de 150 jovens, sendo que 17 foram finalmente selecionados. Pouco tempo depois, ele soube que 16 desses garotos já estavam mortos. “A vulnerabilidade social desses jovens, pretos, pobres e de famílias desestruturadas, é enorme. Em geral, não conhecem os pais e sua perspectiva de vida é morrer com 18 anos ou menos. Além disso, deixam o que eu chamo de herdeiro da miséria e uma viúva de 12, 13 anos com uma criança no colo. Daí cria-se um círculo vicioso. Por isso, eu insisto. Vamos parar de dar destaque para as conseqüências, vamos olhar para as causas e buscar a saída. E a saída todo mundo sabe, é educação, renda, inclusão, entretenimento, esperança”, concluiu o rapper.O seminário foi encerrado com a apresentação do curta-metragem “Eu Fiz Querô”, das Oficinas Querô, que mostra um pouco de como foram as filmagens de “Querô”, premiado filme brasileiro baseado em argumento do dramaturgo santista Plínio Marcos e que deve estrear em circuito comercial em agosto. O curta, que também já recebeu prêmios em festivais pelo Brasil, retrata o processo de seleção e preparação dos 40 jovens carentes, moradores das vizinhanças do Porto de Santos, que participaram do filme.
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