Parece que no debate da Bandeirantes Alckmin errou na dose. FHC diz que seu partido é incapaz de retórica. Sofro até hoje com a revelação do tucano de que abandonou a medicina para dedicar-se ao bem, via política.
Ao jornal suíço Le Temps, Fernando Henrique diz, em entrevista publicada quarta 11, que a divisão de votos no Brasil não é entre ricos e pobres. Em puríssimo francês, esclarece: "A divisão é entre um Brasil atrasado e um mais moderno".
Trata-se do príncipe dos sociólogos, tem de saber das coisas. Resta verificar que significam atrasado e moderno. Tudo depende do ponto de vista. Por exemplo. Entendo que, embora mais rico, o estado de São Paulo é politicamente mais atrasado. Explico: na minha opinião, é o mais reacionário.
A dita elite paulista, tomada em bloco (exceções haverá, está claro), é ignorante, exibicionista, deselegante, egoísta. Ostenta com gosto insano. Campeã em platitudes variadas, na repetição de lugares-comuns monumentais. Neste exato instante, mostra uma sujeição atroz às versões da mídia, e assume passivamente as frases feitas que aquela divulga com notável potência tecnológica.
Falta espírito crítico, falta ironia. O pessoal leva-se a sério. Frase ouvida dia 10 em restaurante mais ou menos da moda por este que escreve. Diz um: "Lula merece perder, mas, que diabo, reeleger Maluf com uma enxurrada de votos é demais". Responde o outro: "Ora, Maluf roubou muito menos que Lula".
Não padeci de maior espanto. Assim como não me surpreendeu constatar na noite do debate da Bandeirantes, que o ex-metalúrgico é mais moderno do que o ex-médico. O qual, a bem da exposição nítida do meu pensamento, mais me pareceu um populista de direita.
Na sua entrevista ao Le Temps, FHC disserta sobre os estilos diferentes de PSDB e PT. "O PSDB faz menos retórica e tem uma visão mais republicana na relação entre partido e Estado." Eu ainda não me restabeleci da comoção causada pela revelação cometida por Alckmin, ao longo do debate. Contou-nos como abandonou a medicina para dedicar-se ao bem dos semelhantes por intermédio da política. Vocação extraordinária, só falta comparecer de batina ao próximo round com Lula.
Tenho a sublinhar que minha relação com o ex-governador paulista sempre foi cordial, amistosa. De hábito, ele é afável e cordato. De todo modo, erra do ângulo de CartaCapital, ao supor que lhe convém a linha Mike Tyson, como ele mesmo afirma. Tons imperiosos, autoritários, não são do apreço da maioria dos brasileiros.
Tyson não prima pelo bom humor. É um brutamontes incapaz de uma única, escassa risada. Pergunto-me por que valeria a pena imitá-lo, mesmo aquele da fase arrasadora de sua carreira. Ao cabo, como sabemos, levou surras homéricas.
Pelo contrário, o ex-metalúrgico mantém a calma, indispensável, aliás, em qualquer briga, mesmo no ringue, para mirar com precisão na ponta do queixo do adversário. Não convém subestimar Lula, e pretender mostrá-lo como iletrado fadado a tropeçar na sintaxe. O debate provou que o presidente soube aproveitar os tempos de liderança, desde a quadra heróica das greves do ABCD, e aprendeu a lidar com microfones com picardia, senso de humor, sutileza, até.
Os resultados das pesquisas pós-debate por ora apontam nele o vencedor. Conclusões finais só no dia 29. Mas é preciso compreender que Lula sabe rir e sorrir.
Extraído da última edição de Carta Capital
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