Confira, abaixo, o artigo “José Alencar e Lula”, assinado pela deputada estadual Telma de Souza (PT-SP). O texto foi publicado na edição desta quarta-feira, dia 27, no jornal A Tribuna, de Santos
A dor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao deparar-se com o corpo falecido do seu vice, José Alencar, traz à luz uma relação muito maior do que a política: um sentimento de um filho por um pai que vai embora. É a dor de quem, criado apenas pela mãe, dona Lindu, ainda lá em Garanhuns, em Pernambuco, já na idade adulta encontra em um homem mais velho, bem humorado, protetor e generoso, como o Zé Alencar, o carinho que não recebeu da figura paterna.
O próprio Lula, ao chorar copiosamente sobre o caixão de Alencar, assim como quando recebera, em Portugal, a notícia do seu passamento, disse que, acima de presidente e vice da República, eram irmãos, amigos, e, sobretudo, um filho e um pai.
Tenho certeza que Alencar nutriu o mesmo sentimento por Lula e, por inúmeras vezes, como um verdadeiro pai, lutou para proteger o seu filho, em todos os sentidos. A relação dele para com Lula faz-me lembraro clássico filme "A vida é bela", de Roberto Benigni, no qual Guido, o pai judeu, para proteger o filho Giosué, em um campo de concentração, simula que aquilo é um jogo e desdobra-se para que ele não sofra naquele lugar. No fim, triste, Guido morre, mas salva o filho, que o admira eternamente. Coincidências? Talvez. Das essências? Profundamente.
Zé Alencar foi um homem que nunca escondeu seus sentimentos e, também, as convicções. Recém-empossado vice-presidente, ele logo tratou de defender a redução da taxa dos juros, mantida alta pelo Banco Central como forma de segurar a inflação. Criador do maior grupo têxtil do Brasil, a Coteminas, e, portanto, com uma visão empresarial, Zé Alencar não cansou de afirmar que, com juros menores, as empresas poderiam investir e ampliar a produção e, consequentemente, criar mais empregos, distribuindo renda. Argumentava que a diminuição da alíquota era uma questão política, e não monetária.
O ponto de vista do vice-presidente foi decisivo, tanto que o índice caiu em 7 pontos percentuais do início para o final do mandato de Lula.
A tese dos juros baixos jamais abalou a relação entre os dois principais postos da República nos últimos oito anos. E ai de quem tentasse causar a discórdia entre eles. Novamente como no filme "A vida é bela", a defesa ao ex-operário que virou presidente era feroz. Fiel a Lula, Zé Alencar sempre minimizou essa divergência, talvez a única.
A afinidade era tanta que Zé Alencar fez questão de manter Lula até os últimos dias como membro de sua família. Não era difícil sentir-se acolhido ao lado de Zé Alencar. Tive a honra de conhecê-lo, uma personalidade extremamente justa, alegre, respeitosa e bondosa. O meu maior contato pessoal com o nosso eterno vice-presidente foi na luta pela devolução do imóvel da Associação Japonesa de Santos para a comunidade nipônica, quando ele era ministro da Defesa do país, mas também ocupava o cargo de presidente dos brasileiros.
Além do seu legado ético e de valores extraordinários, a nossa região recebeu concretamente, por seu trabalho incansável, uma grande parte do Zé Alencar, um vice que os brasileiros amaram, de forma sem precedentes, tanto quanto um presidente. Há praticamente um mês de sua morte, a lembrança de José Alencar permanece mais viva do que nunca.
Telma de Souza.
Deputada estadual (PT-SP) e ex-prefeita de Santos
(foto: Agência Brasil)
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